
Como se aprende a caminhar. Como se aprende a rir. Como se distingue, entre os outros, o cheiro da chuva que cai na terra, o ruído do mar, a escuridão da noite. Como as coisas acontecem por sabermos que acontecem. Como a dor nos obriga a seguir em frente. Como um dia sucede a um outro. Como as coisas têm um nome, um número e uma ordem. Como um gesto muda a vida dos outros. Como sabemos que alguém adormece só ao pressentir a sua respiração. Como o crepúsculo magoa em certos dias. Como se inventam as palavras que consolam, sílaba a sílaba, verso a verso. Como acompanhamos as crianças entre a luz dos pinhais, à procura de um caminho. Como aprendemos as coisas essenciais, de novo: caminhar, falar, imaginar, deitar, sorrir, nadar, vestir, esquecer, lembrar, ter um nome para dizer só para não dizer “amor”. Como se explica que o vento desce sobre a terra. Como andar de mãos dadas. Como esperamos que a vida nunca se interrompa, que a manhã não demore, que a noite não nos surpreenda. Como nos deitamos ao sol. Como começamos de novo, pelo princípio, agora e na hora de toda a nossa vida.
Para a Rita do sorriso do Francisco José Viegas
[Texto originalmente publicado no Livro “Aos Olhos da Rita”]